Que Seja Para Sempre
Larissa de A. Chítero
Não
fazia mais sentido nenhum ficar ali, mas ele estava. Não queria deixar lágrima
nenhuma cair, pois prometera que seria forte, mas não estava conseguindo
cumprir; era um fraco. Também não era a primeira vez que percebia isso.
Gotas
grossas de chuva começaram a cair e a molhar toda a roupa que ele usava. Em tão
pouco tempo já havia se intensificado e o tecido estava colado ao corpo. Seu
cabelo estava grudava no rosto, dificultando ainda mais sua visão. Sentiu seus
olhos arderem e percebeu estar chorando novamente e as lágrimas se misturavam
com as gotas geladas que caíam do céu e seu orgulho caia junto a água que
escoava aos bueiros.
Levantou-se
e foi caminhando até a árvore que sabia estar escrito seus nomes. O dele e o
seu, dentro de um coração. Escreveu embaixo: “Para sempre!” e saiu.
Continuou
andando até a casa daquele que havia amado e ainda amava, entretanto sabia que
não o encontraria ali; nem tinha como. Bateu na porta e a tão conhecida
empregada a abriu, mostrando-se abatida ainda e com os olhos inchados. Disse a
ela: “Vou ao quarto dele!” e ela concordou dizendo-lhe que levaria uma toalha. Subiu
correndo a escada que dava acesso ao quarto que lhe era bem familiar, entrou e
fechou a porta com força. Jogou-se na cama e abraçou o travesseiro, ainda com o
cheiro dos cabelos dele. Chorou. Deixou que seu pranto limpasse toda a dor que
sentia, mesmo sendo impossível aliviaria a vontade de gritar, de morrer, de
terminar com tudo isso e deixar seu coração menos dolorido. Chorou, com muita intensidade,
só chorou. As batidas na porta ecoaram pelo quarto e ele não respondeu, só
continuou ali chorando.
Todas
as lembranças invadiram a mente assim como o ar lhe tomava os pulmões. Os
beijos e abraços, as noites em que fizeram amor e então um completava o outro.
Era tudo perfeito e agora ele não estava mais ali. Agora ele estaria sozinho e
não teria mais o sorriso confortante, o olhar apaixonado, o chamego e as
brincadeiras carinhosas do seu amor. Sem ele não haveria mais o quê fazer. Sem
ele, como viveria?
Uma
senhora de cabelos grisalhos e olhos acinzentados entrou no quarto e se sentou
na cama, olhando para ele ali agarrado ao travesseiro e chorando como se o
mundo fosse acabar em soluços e lágrimas. Pousou a mão macia nas costas dele e
fez um carinho materno ali. Queria gritar também, se acabar em chorar, explodir
com o mundo e dizer que Deus fora injusto, mas apenas puxou aquele corpo
magrinho que estava esparramando na cama, para mais perto do seu e o abraçou
forte. Tentou passar naquele abraço tudo o que sentia, toda a angústia e
tristeza que sofria e queria que ele entendesse que ela também estava sem chão,
que seu mundo estava abalado, mas que ela estava ali com ele e que seriam os
dois, um dando força para o outro. Ele não estava mais ao lado deles; ele
morrera, mas não era chorando que iria trazer ele de volta e eles tinham de ser
fortes. Aguentar firme.
Havia
fotos espalhadas por todo o quarto e quando pousou os olhos naquela em que eles
dois estavam abraçados, sorrindo felizes um para o outro, sentiu o coração
arder em dor. Naquele dia nenhum deles havia pensado que isso poderia acontecer
e como conseguiriam imaginar que numa pista molhada, em véspera de natal,
aquela derrapada sem sentido tiraria a vida de uma pessoa tão amada? Não havia
como imaginar. Afinal, chamava-o de anjo e anjos não morriam.
A
mulher disse que como um anjo, ele havia recebido um chamado importante do céu.
Mas mesmo assim ele ainda achava injusto e não queria aceitar. Chegava até
odiar Deus por isso, sentia tanta raiva. Ouviu que ela, ainda o abraçando,
chorava doloridamente. Afagou-lhe os cabelos brancos e deu-lhe um beijo na
testa. Era hora de dizer palavras sábias, só que elas ficavam paradas na
garganta e não saíam. Mas ela compreenderia, ele sabia, ela também não falaria
nada, o silêncio ali presente era todas as palavras que ambos precisavam,
talvez só os olhos já diziam tudo. Estava no mesmo estado espiritual que ela,
afinal ela era a mãe e fora o filho dela quem morrera, e se havia coração que o
amava mais do que o dele, era ela. A Mãe.
Levantou-se
e foi ao banheiro, lavou o rosto e olhando para o espelho viu o sorriso de seu
amado refletir. Sentiu o coração doer como nunca e teve vontade de arrancar de
dentro do peito. Aquele sorriso estaria agora apenas em memória. Sabia que
sofreria para sempre e não queria isso. Sabia também como terminar com aquilo,
seria a escuridão de tudo e a luminosidade para aquilo que desconhecia. Apenas
queria estar perto dele. Para sempre.